De longe, tudo que está relacionado ao caiçara é controverso; não é exatamente um povo e tampouco costuma ser chamado de cultura, a extensão de seu habitat pode variar em milhares de quilômetros, até mesmo sua real existência contemporânea está posta em xeque.

Estivemos na região em que se deu a primeira e intensa fusão de índios, negros e europeus, compondo a genuína matriz genética e cultural do povo brasileiro e que vem resistindo e se moldando a todos os ciclos econômicos desde o descobrimento.

Sempre tivemos em mente que, mais do que pesquisar, era preciso mergulhar de olhos e corações abertos neste projeto e vimos de perto um povo simples, que preserva os traços de um Brasil colonial, na textura suave de sua intimidade cotidiana: missas entoadas em latim, crença em seres encantados, quintais de varas, a companhia cúmplice do mar e o mistério do dia seguinte regido pela lua.

Por isso, mais que conclusões históricas sobre o povo da costa, Dias de Caiçara propõe o olhar delicado de crônicas e contos para falar desta gente sedutora e de seu impulso de contar histórias, que cabem em qualquer tempo, no qual a palavra dita é infinitamente mais importante que a letra escrita.

Foram meses de convívio e descobertas pessoais, dormimos em traineiras, quase naufragamos, rezamos para São Pedro, ficamos isolados pelas chuvas de verão que invadem os vales, andamos pela mata atrás de “pau” pra fazer canoa.

E apesar de tantas viagens, fi cou a sensação de ter passado
quase nada junto dessa cultura vibrante, orgânica, que vai se adaptando ao mundo com a generosidade dos primeiros brasileiros, que povoaram esta terra com o escambo das línguas, credos e raças, dando ao Brasil o orgulho da mestiçagem encantadora e que seguramente representa o nosso grande patrimônio imemorial.